Ah se esse rio falasse!
Hoje foi o
dia de mais uma aventura em Serra Maestra, Cuba. Para mim foi uma prova mais de
que estou menos medrosa. Hoje, por fim, era nosso dia de descanso depois de uma
semana intensa de trabalho aqui e resolvemos dormir um pouco depois do almoço
para em seguida irmos ao rio.
Ao final
não respeitamos muito o dormir uma cesta e acordamos quase as cinco da tarde já
com o céu nublado. Mesmo assim resolvemos que ainda era uma boa opção ir ao rio
pois ele estava aqui ao lado e, como boas pessoas que sempre viveram na cidade,
não acreditamos que as nuvens cinzas significavam chuva.
Mochila nas
costas, com equipamentos de som, afinal de contas somos cineastas trabalhadoras
que aproveitam os passeios para trabalhar. Fomos as três chicas preparadas para
gravar os ruídos do rio e divertir-se. Descemos correndo a ladeira e fizemos o
percurso do rio o mais rápido possível para podermos desfrutar mais.
O nosso
objetivo era chegar a uma piscina natural que estava no meio da mata. O caminho
incluía cruzar duas vezes o rio para chegar aí. Jade, como vocês bem sabem, tem
medinho de água, mas se nega a ficar sozinha no quarto e, toda corajosa, decide
encarrar o medo com um mantra na cabeça “eu posso, eu posso”.
Já na
primeira parte do rio o chuvisco começou, mas não nos preocupamos. Sacamos os
equipamentos de som da mochila, gravamos umas crianças que estavam brincando
aí, um cavalo que cruzava o rio, o chuvisco, nossos passos na água e eu seguia
concentrada no meu mantra “eu posso, eu posso”.
O mantra
funcionou, cruzei a primeira parte do rio sozinha. Vamos ao segundo que é logo
em seguida. Agora já confiante, afinal de contas não foi difícil. Enquanto as
meninas avançavam para gravar mais sons eu me mantinha atrás repetindo meu
mantra “eu posso, eu posso”. A concentração era tanta que esqueci de tirar as
sandálias antes de meter-me no rio e, como era óbvio, perdi uma sandália que
começou a descer rio abaixo.
Eu não
sabia se corria atrás da sandália, se gritava, se tentava ficar em pé porque
comecei a escorregar nas pedras lisas de lodo e, por fim, uma das amigas
heroínas voltou para me ajudar a resgatar minha sandália enquanto eu tentava me
resgatar saindo da água.
Era uma
gritando “silêncio se grava! ”, a outra correndo no rio tentando alcançar a
sandália enquanto ria da minha cara de desespero, e eu, tremendo já obstinada
imaginando como seria voltar para casa descalça. Graças ao Deus Oxum
(Orixá da água doce na religião de ioruba em Cuba), uma vez mais tudo saiu bem,
a sandália foi resgatada, eu cruzei a segunda parte do rio e a gravação também
foi um sucesso.
Riamos
todas de tudo que já tinha nos passado e comemorávamos porque já víamos a
piscina natural. Corríamos já quase tirando a roupa e preparando o microfone e
a gravadora para gravar o som do pulo na água. Tudo preparado. Uma já estava
dentro do rio, a outra com o microfone e eu buscando um lugar mais fácil para
entrar na água enquanto repetia mentalmente o mantra “eu posso, eu posso”.
Enquanto
tudo isso ocorria, o mantra seguia na minha cabeça “eu posso, eu posso”, o
chuvisco ia se transformando em chuva e decidimos deixar de trabalhar.
Equipamentos guardados era a hora de meter-me no rio. Enquanto eu ia tirando a
roupa com a maior calma do mundo, as duas já estavam na água rindo e me
encorajando.
O tempo
passava e em segundos a chuva foi aumentando. Aproveitei para disfarçar minha
covardia e como heroína desisti de entrar no rio para ser a responsável pela
mochila indo me esconder debaixo de alguma árvore. Eu nem tive tempo de avisar
sobre minha decisão e de repente a chuva virou temporal. Nem tive tempo de pôr
a mochila nas costas e já estávamos as três correndo para buscar um lugar para
nos escondermos todas.
Foi então
que descobrimos que aqui, em meio às montanhas do caribe não existe árvores
grande que nos protegem da chuva. E mais, descobrimos que não estávamos
preparadas para tanta água que caia do céu. Em minutos estávamos encharcadas e
tentando proteger os equipamentos. Eu com o óculo embaçado e molhado não via
nem meio metro a minha frente e não tinha ideia de onde pisava enquanto
caminhava. No me cérebro já não soava mais o mantra “eu posso, eu posso” e
sim a voz do desespero gritando “Meu Deus eu não estou vendo nada como posso
caminhar”.
Reunião
rápida debaixo de uma mata que mal nos protegia e a decisão tomada foi que uma
corria para salvar os equipamentos a outra ficava para ajudar a cega, eu. Aí
vamos as duas de mãos dadas caminhando no meio do barro escorregadio, debaixo
da chuva e cruzando o rio. Era um jogo de equilibra e cai com as duas
participando e fazendo torcida de apoio. As gargalhadas eram a pura
demonstração de desespero, era uma loucura total, eu que não via nada e a outra
que me guiava e as duas juntas morrendo de rir.
Ao final,
depois de muito risos, muitos ensaios de tombos o primeiro rio foi vencido. O
segundo também. A subida com um rio de lama também foi cruzada com êxito.
Nenhuma pessoa ferida, nenhuma sandália perdida, todos sã e salvos do perigo
agora só faltava a caminha leve pelo caminho de terra até o nosso alojamento na
TV Serrana em San Pablo de Yao, Serra Maestra.
As duas já
estavam aliviadas e seguíamos andando e rindo tudo que passou até que bum! Eu
escorrego e caio de bunda no meio da lama. A reação não podia ser outra, me deu
tremendo ataque de risos. A cena era eu sentada no meio da lama, a amiga
tentando ajudar e a chuva intensa que não parava.
Rio Buey, Sierra Maestra - Granma - Cuba |
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